O pai correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos
Hoje, a liturgia nos indica um dos textos mais
belos e mais comentados de todo o Evangelho de Lucas, a saber, o capítulo 15 da
obra lucana que narra três parábolas sobre a ilimitada misericórdia de Deus. A
parábola do texto de hoje (Lc 15,1-3.11-32), mais conhecida como a “parábola do
filho pródigo”, será chamada neste comentário de “parábola do pai e de seus
dois filhos” visto que veremos que tal título engloba de uma só vez as atitudes
das três personagens que juntas nos dão a mensagem completa do trecho
evangélico.
Antes
de tudo, para compreendermos bem o significado da parábola, é necessário levar
em consideração os três primeiros versículos do capítulo (Lc 15,1-3), já que
projetam o sentido das três parábolas que se seguem. Assim, sabemos que Lucas
quer sublinhar desde o início que Jesus conta estas três parábolas para que os
ouvintes (fariseus e mestres da lei) se convençam, de uma vez por todas, que
Deus tem um coração transbordante de amor para quem quer que erre, que está
sempre pronto a se reconciliar com o ser humano, mesmo quando este aprontou de
tudo, e mesmo quando este reconhece, com grande atraso, ter falhado.
Deus é apresentado como um pai
que tem um coração maior que o espaço, disposto a acolher e a perdoar com um
amor inacreditável, impensável. Por isso, Jesus aparece um pouco indignado e
enraivecido com aquele tipo de pessoa que seguindo a linha dos escribas e
fariseus, falam sempre de justiça, mas nunca de caridade; falam sempre de
punição, mas nunca de perdão; para os que pretendem viver num mundo onde não há
espaço para quem erra, enquanto aos olhos do Pai celestial estes presumidos
santos não têm misericórdia, perdão, piedade, compaixão. Como deixa bem claro
Mateus: “Não são os sãos que precisam de médico, mas os doentes. Portanto, ide
e aprendei o que significa “eu quero misericórdia e não sacrifício. Não vim
chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9,12-13).
Mas, falando diretamente da
terceira parábola (15,11-32), a do pai e dos seus dois filhos, podemos dizer
que a sua estrutura segue o mesmo movimento das duas parábolas anteriores
(15,4-10): perca de uma coisa querida (ovelha, moeda, filho), sua busca, o seu
re-encontro e a alegria que emerge imediatamente deste re-encontro.
Com relação à figura do filho
mais jovem, em torno de quem gira todo o relato e que nos oferece dados para
também compreendermos a atitude tanto do pai quanto a do filho mais velho,
podemos resumir no seguinte: o filho mais novo cansado de viver sob a custódia
do pai, quer ser independente, vivendo um estilo de vida em que só ele é o
responsável; e, por isso, se afasta, se entrega aos prazeres e a devassidão,
terminando na maior miséria, sem tem o que comer, sem dignidade.
Este filho, completamente independente de qualquer figura superior,
representa o pecador, quando não considera a sua relação com o Pai e se afasta
dele, vivendo uma vida irresponsável. É a grande ilusão do querer se desligar
de nossa própria origem, de poder tomar decisões sem vínculos e sem
condicionamentos, pois esta vida “livre” torna-se uma vida humilhante.
O
jovem alegre se torna escravo do dono dos porcos. Pior, ele chega a desejar a
comida dos porcos, humilhação total para um judeu que considera o porco um
animal impuro e o pior de tudo, o patrão lhe nega a comida destinada aos
porcos. Diante desta situação tão dramática, o único pensamento que lhe dava
ânimo era a saudade da casa paterna, onde tinha de tudo, o afeto do pai e o
alimento. Por isso, este filho começa a rever suas ideias. Ele não procura
justificar seu comportamento passado, nem se desespera com a situação presente.
Tem humildade, coragem e confiança de reconhecer que o próprio caminho está
errado e decide voltar para o pai. Está pronto para confessar a sua própria
culpa. Não pretende nem mesmo ser tratado como um filho, mas como um servo
qualquer do seu pai. Este filho representa todos os pecadores, do ladrão
arrependido na cruz a cada um de nós.
Agora, entra a figura do pai. Este é nomeado 14 vezes no texto e é a luz que ilumina
e dá sentido a cada mínimo particular da parábola, seja ligado ao filho mais
novo ou ao mais velho. Mas afinal, o que tem esse pai de tão grandioso para
suscitar uma atenção especial por Lucas? É o seu amor imenso, extraordinário,
inefável. O amor de Deus para com os pecadores, chega a uma de suas expressões
mais altas e tocantes no comportamento do pai para com este filho mais jovem.
Um outro pai, talvez reagiria de modo diferente, gritaria, alegaria; este pai
não intimida, não inibe nem é violento. Cala-se. Respeita a liberdade de seu
filho, mesmo se essa liberdade expõe seu filho amado a tantos perigos
imprevisíveis.
Podemos dizer que tudo começa
pela espera ansiosa com a volta de seu filho caçula; comovido, corre-lhe ao seu
encontro, abraça-o, e o cobre de beijos, perdoa-o, trata-o muito bem, quer
fazer uma grande festa para reintegrar seu ser de filho, e lhe comunica através
de todo seu afeto, o desejo de que ele volte à vida. O pai é um pai do coração,
ele não deixa se levar pala voz da razão, do raciocínio, do cérebro, mas pela
voz do coração (Cf. Gn 33,4 e Gn 46,29).
Um momento ulterior em que se vê o enorme afeto do pai pelo filho
pródigo nos dá o v.22: evoca o tratamento que o faraó reserva para José em Gn
41,42.
Para
os antigos, o anel no dedo era sinal de autoridade e de poder em relação a
terceiros. O uso das sandálias era uma prerrogativa exclusiva das pessoas
livres, só os escravos andavam descalços. Assim, o pai quer dizer que o filho
tornou a ser, unido a ele, o chefe da casa; e um indivíduo que não vai servir,
não escravo, mas livre.
Outros dados marcantes na atitude do pai são os seguintes: novilho gordo para
festejar. O pai não se contenta em apenas acolher o filho, é preciso fazer uma
grande festa. Festa essa que também foi citada nas parábolas precedentes, a da
ovelha e da moeda perdida. Aqui, há porém um progresso; o pai ordena para
prepararem a festa, a festa se celebra realmente, e o pai especifica que era
necessário acontecer a festa.
O filho mais velho representa
aqueles que permanecem fiéis ao pai e aderem aos seus mandamentos. À primeira
vista, aparece como sempre próximo do pai, mas tudo não passa de aparências.
Este filho se recusa a participar da alegria do pai. Chama-o de “tu”, cheio de
desprezo e frieza, indignado com o comportamento do pai e se sente prejudicado.
Contrariamente ao pai, este filho olha só pra o passado. Vê somente o pecado do
outro, mas não consegue enxergar quem é o outro. É totalmente indiferente ao
fato de que o outro é seu irmão e que tenha voltado pra casa. Também este filho
precisa rever seu ponto-de-vista. Enfim, só usa palavras duras, e impiedosas
com seu pai, chegando até a mentir: “nunca me deste um cabrito para festejar
com meus amigos”. E o pai o desmente: “Filho, tudo o que é meu é teu”. Este
filho é cego pelo egoísmo e só pensa em si. Fica com raiva e não entra em casa.
Além de insensível, é invejoso e portanto, um ótimo representante dos escribas
e fariseus que tinham manifestado a sua reprovação e toda a sua raiva diante
dos atos misericordiosos de Jesus com relação aos pecadores.
E aí? Será que pensamos que somos filhos de Deus porque não fazemos
“nada de mau”? Ou porque sempre vamos à missa? Ou porque não somos como os
outros... mas sentimos o peso de ser “bons cristãos”. Será que somos capazes de
nos alegrarmos com o Pai e de abraçar o filho que retorna? Será que ajudamos o
Pai nessa incansável busca pelo filho perdido? Vamos para a festa do filho mais
novo ou não?
Em seu famosíssimo livro,
inspirado na obra “A volta do filho pródigo” do pintor Rembrandt, o padre
holandês Henri Nouwen, afirma com muita convicção: “Fui tão profundamente
tocado por essa imagem do abraço de dar a vida entre pai e filho porque tudo em
mim ansiava ser recebido do mesmo modo que o Filho pródigo foi recebido. Esse
encontro passou a ser o começo da minha volta”. Depois, ele se dá conta que
nesta imagem, “há reconciliação, mas também há raiva. Há comunhão, mas também
distanciamento. Há o brilho cálido da cura, mas também a frieza do olho
crítico; há a oferenda da misericórdia, mas também enorme resistência para
recebê-la. Não demorou para que eu descobrisse o filho mais velho em mim”.
Poucas vezes, nos sentimos o filho mais novo, e como é bom desfrutar a
misericórdia do Pai. Mas, muitas vezes, agimos como o verdadeiro filho mais
velho, e temos o exemplo do filho mais novo para termos a humildade em
admitirmos que estamos errados e coragem para mudarmos e sermos misericordiosos
para com nossos irmãos e irmãs e inclusive para conosco.
fonte : http://pecarlos.blogspot.com.br/2010/03/iv-domingo-da-quaresma-lc-151-311-32.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário